sábado, 14 de março de 2020

Pais e filhos em casa: Redescobrir o tempo a passar juntos

Encerramento extraordinário de todas as escolas em Portugal. Para os filhos, umas férias. Longas e inesperadas, um verdadeiro dom do céu pelo qual serão gratos para sempre a este estado de alerta. No final de contas, eles, ao longo destes dias, sentiram todos adultos em ânsia e preocupação. Todavia, no concreto, é raríssimo que a ameaça coronavírus tenha realmente atacado a segurança dos seus laços familiares e de amizade. Por agora, estão praticamente todos vivos. Um pouco assustados, mas todos vivos. E, na quase totalidade, também saudáveis. Esta paragem forçada da escola parece dar muitas preocupações aos adultos. Muitos de nós estão em casa em modalidade teletrabalho. Mas ao mesmo tempo que se está ligado e na internet com os colegas de trabalho, é-se interpelado e intercetado pelos filhos. «Mãe, podes ajudar-me com os trabalhos de casa?», «Pai, podes brincar um bocadinho comigo?», «Posso convidar um amigo?», «Porque é que não posso sair?».

Nestes dias todas as nossas famílias enfrentam uma emergência para a qual não estavam prontas: a convivência forçada com os filhos. Uma imersão total. Não é fácil manter a lucidez enquanto se escreve um e-mail de trabalho com uma mão, e com a outra se ajuda um filho a terminar o seu puzzle. Chama-se “multitarefa”: celebrámo-lo nos últimos anos como uma competência nova e absoluta do homo sapiens do terceiro milénio. Mas quando nessa “multitarefa” se tem de incluir a paciência, a capacidade de sintonização com as necessidades dos teus filhos, a busca de novos estímulos para os ajudar a vencer o aborrecimento que os está a atormentar, o desafio torna-se duro, e a palavra “multitarefa” já não soa “moderna e atraente”, mas exaustiva e inquietante.
Sem aulas, sem atividades para os tempos livres, em resumo, sem experiências agregadoras e relacionais de qualquer natureza, os nossos filhos agarram-se a nós e pedem-nos para estar ali, para eles e com eles. Mas nós temos de ser um pouco para eles e um pouco para tudo o resto. E então arrisca-se um estado de inquietação e cansaço. Deseja-se fazer muito, e no fim constata-se a incapacidade de fazer o que quer que seja.


Dois ou três conselhos que me permito dar, também à luz da minha experiência de pai. Neste período em que todas as rotinas “saltaram”, provavelmente é preciso aprender a definir novas. Se das 9h00 às 12h00 quisermos estar muito atentos ao nosso trabalho, é fundamental que essas três horas o tempo dos nossos filhos seja igualmente estruturado. Pode explicar-se-lhes que estas são umas férias que têm regras. Que a escolha fechou, mas o estudo não. E portanto faz-se com eles um contrato em que “enquanto eu trabalho, tu estudas”. Mais fácil de dizer do que fazer, eu sei. Mas possível.
Uma alternativa é organizar-se em “micronúcleos”: hoje fico eu com os teus filhos, amanhã ocupas-te tu do meu. No dia em que tivermos em casa mais crianças, devemos ser flexíveis e pacientes, e não pensar em encastrá-los dentro de uma programação abarrotada de coisas a fazer. De outra forma, o efeito torna-se deflagrante. Outra possibilidade – que, como a anterior, requer atenção aos cuidados sanitários – é a família alargada. A tia professora, o avô reformado, a prima “babysitter”: no próprio núcleo de conhecimentos há sempre alguém a quem se pode pedir ajuda. E num clima de emergência, como o atual, é mais fácil experimentar a solidariedade de quem vive próximo.

Por fim, ouso aconselhar uma operação totalmente contrária, para estes dias. Em vez de continuar a manter todos os compromissos em modalidade multitarefa, poderemos experimentar, por quanto seja possível, aproveitar esta crise, transformando-a numa oportunidade para reforçar os laços familiares. Pela primeira vez, em muitas famílias vai almoçar-se e jantar-se com todos juntos. Muitos pais estão a ensinar aos filhos a jogar às cartas e jogos de tabuleiro. Pode ver-se um filme todos juntos. Com esta aumentada vontade de estar em casa, e cansados de ouvir falar do coronavírus, pergunta-se cada vez mais: e agora, que fazemos? E a resposta que muitas vezes encontramos é inesperada: brincar, falar, rir. Estar juntos. Esforcemo-nos por gerir esta operação tão simples e tão complexa ao mesmo tempo, porque dela nos desabituámos. Antes do coronavírus, as nossas vidas estavam repletas de tudo, apinhadas de compromissos, sempre a correr, e em casa havia mais confronto do que encontro. Agora tudo desacelerou: fica-se mais dentro e menos fora. E talvez, isto, poderá tornar-se também uma vantagem para a nossa vida familiar, se o soubermos compreender como uma oportunidade.


Alberto Pellai
Trad.: Rui Jorge Martins