Sabem
de confinamento e reclusão mais do que ninguém: as carmelitas descalças de
Cádiz oferecem os seus conselhos baseados na sua experiência de vida aos que,
agora, se veem obrigados a ficar em casa.
1.
Atitude de liberdade
O
mais importante é a atitude com que se vive, a interpretação pessoal que se faz
da situação, a consciência de que não se trata de uma derrota. Paradoxalmente,
esta pode ser uma oportunidade para descobrir a maior e mais genuína liberdade:
a liberdade interior que ninguém pode tirar, e que procede da própria pessoa.
Num contexto em que as autoridades “obrigam” a estar em casa, a liberdade
consiste na adesão voluntária, sabendo que é por um bem superior. É livre
aquele que tem a capacidade de assumir a situação porque quer fazer o correto.
Não se está encerrado em casa, antes, optou-se por nela permanecer
“livremente”.
2.
Paz onde a alma se amplia
Olhe
para dentro de si próprio, o espaço mais amplo para a pessoa se expandir e ser
feliz está no seu coração. Não são necessários espaços exteriores, mas andar
folgadamente no próprio mundo. Dê asas à criatividade, escute as suas próprias
inspirações, e encontre a beleza de que é capaz. Talvez ainda não tenha
descoberto que da paz da alma brota vida… a vida é criação de mais vida, comunicação
de alegria e amor. Quando se acostumar a viver em si, já não quererá sair.
3.
Não se descuide, a paz requer trabalho
Exercite
virtudes que requerem concentração e autoconhecimento, essas que normalmente se
descuidam quando se está ocupado nos mil e um afazeres “externos”. De como se
encara as próprias emoções e pensamentos, da gestão dos sentidos e paixões,
depende se se vive no céu ou no inferno. Observe-se e domine-se, porque se se
deixar levar pelo medo, pela tristeza ou pela apatia, dificilmente se sairá
delas, já que não há muitas evasões. Exerça disciplina sobre o seu coração:
quando algum pensamento não lhe fizer bem, rejeite-o. Procure inclinar-se para
tudo aquilo que note que lhe dá paz e alegria... a harmonia tem de
trabalhar-se.
4.
Ame
A
questão de fogo destes dias será a convivência. Perante a crise causada pela
pandemia as pessoas ficam mais suscetíveis e, inclusive, irritáveis. É preciso
ser-se muito paciente e usar muito o senso comum. Somos diferentes, cada qual
tem uma sensibilidade distinta por múltiplas circunstâncias. Aceite e respeite
as opiniões e sentimentos dos outros. É muito normal, quando se está em casa, a
tendência para querer controlar tudo… Procure não o fazer, seria causa de
muitos conflitos e frustrações. Não dê importância às diferenças, potencie as
coisas que unem. O único terreno que realmente lhe pertence é a sua própria
pessoa: os seus pensamentos, palavras e emoções; não controle, controle-se. A
partir do amor extrairá compreensão e empatia, vontade de dar e agradecimento
ao receber. Respeite, acolha a fragilidade, desdramatize, viva e deixe viver.
5.
Não mate o tempo
Nada
poderá criar-lhe uma sensação tão grande de vazio e fastio como passar o tempo
inutilmente. É um inimigo gravíssimo que lhe poderá roubar a paz, e até
colocá-la em depressão. Faça um plano para estes dias, e tente vivê-lo com
disciplina. Descanso e ocupação não são antagónicos, aproveite para descansar
realizando atividades que a relaxem ou que estimulem um ânimo positivo. Dê
tempo nas coisas simples: que o grão-de-bico se torne tenro, que o assado
demore a ficar cozinhado… temos tempo! Mesmo que um guisado lhe leve duas
horas, desfrute de o fazer, e empenhe-se em que as coisas que faz, por simples
que sejam, tenham valor e uma finalidade. Nada de perder tempo sem sentido,
“matar o tempo” é matar a vida.
6.
Alargue as suas fronteiras
Quantas
vezes se deixou de fazer o que se devia por falta de tempo. Pois bem, agora
temo-lo! Esse livro que lhe ofereceram há três anos e que não leu, aquele que
ainda não devolveu porque ficou pela metade. Se gosta de música, procure novos
artistas, descubra novos géneros. Apetece-lhe uma viagem? Pense num país
exótico e aprenda sobre a sua cultura e tradições… temos internet também para
isso. Se é pessoa de fé e oração, talvez não saiba o que rezar porque já
esgotou tudo o que sabia. Por que não experimenta a liturgia das horas?
Descarregue-a no seu telemóvel; procure os escritos de algum santo, seguramente
vai encontrar muitas coisas que lhe encherão a alma de novas luzes. Não se
conforme com o que conhece e sabe… agora que há oportunidade, abra-se a
novidades que lhe acrescentem sabedoria e a encham de alegria.
7.
Para as mais sensíveis
Nem
todos dominam as emoções de igual maneira. Haverá pessoas para quem, pela sua
psicologia, lhes custará muito mais este confinamento do que a outras. As
emoções não só provêm do interior; também aquilo que se vê, escuta, toca, etc.
influencia. Por isso, é preciso ser-se seletivo com aquilo que se recebe do
exterior, para evitar entrar em círculos viciosos que envolvam em desespero ou
façam perder o controlo. Evite-se, na medida do possível: conversas
pessimistas, discussões, más caras, excesso de informação, filmes de terror ou
intriga, desordem dentro de casa. Como não há muitas evasões que façam mudar de
“chip”, tudo o que entra no cérebro nele permanecerá mais tempo do que o habitual;
por isso, é preciso ter cuidado para não se ficar obcecado, ou permitir aninhar
uma emotividade negativa no interior. O excesso de ecrãs também é mau porque
estimula em demasia e o cérebro, e provoca mais nervosismo. Há que dormir bem,
mas em excesso pode causar a sensação de fracasso ou derrota. Um remédio muito
bom para canalizar a energia e relaxar é dançar. Ponha boa música e divirta-se
a dançar. Nada como rir e divertir-se para reiniciar o sistema interior.
8.
Não está isolada
É
importante compreender que não há motivo para se sentir só, pois não se está. O
amor e o carinho dos teus continua, mesmo que o contacto físico se tenha
distanciado. Esta é uma oportunidade para viver a comunicação a um nível mais
profundo, mais íntimo. Fale com quem está em casa com tranquilidade, sem
pressas, escute-os até que terminem, deixe que o diálogo faça crescer a
confiança e as confidências construam cumplicidade. Diga aquilo que nunca tem
tempo de dizer, conte o que sempre quis contar, fale de tudo e de nada, mas com
carinho, que é o que chega à alma e nela se aninha. Responda àquela mensagem de
Natal que não agradeceu, a carta que a emocionou e à qual estava a preparar uma
resposta, àquele “e-mail” de uma velha amizade. Procure palavras com beleza,
tente dar expressão aos seus sentimentos mais nobres… Fale com o coração e crie
laços muito mais profundos com os seus. Descobrirá que a distância não é
ausência.
9.
Dia de reflexão
Para
não se angustiar, também é conveniente procurar momentos de silêncio e solidão.
Na organização do tempo para estes dias, inclua espaços de “oxigenação”
individual. Quantas pessoas já alguma vez disseram: «Como gostaria de me
retirar alguns dias para um mosteiro». Pois bem, a ocasião está aqui, em casa.
Habitualmente as pessoas cansam-se por causa da aceleração das suas horas, como
se a rotina diária não desse tempo para assimilar o que se vive. Esperamos
mudanças substanciais na sociedade, «isto não pode continuar assim». Agora
temos esta oportunidade para nos metermos num casulo como a lagarta que se
converte em borboleta. Reflita, pense, medite… Que posso mudar em mim para ser
melhor depois destes dias?... A separação das coisas que normalmente temos
entre mãos ajudará a ver se realmente se está a pôr o acento naquelas que importam,
em vez daquelas que podem ser secundarizadas, quais são as insubstituíveis,
etc. Um bom discernimento para melhorar fará com que estes dias sejam de muito
proveito. Homens e mulheres novos depois desta crise.
10.
Reze
Só
a oração (que é o vínculo de amizade com Deus) pode sustentar a vida em todas
as situações, especialmente nas adversas. Oração, que como diria Santa Teresa,
«ainda que a diga à sobremesa, é o principal». Orar é abrir-se a esse “Outro”
que pode sustentar-nos quando se precisa de ajuda; mas também quando se está
bem, orar é sustentar outros que precisam. É a experiência mais universal do
amor. Ore, fale com Deus, as horasa passarão sem que se dê conta: fale-lhe de
tudo, Ele não se cansa de a escutar, desafogue-se com Ele quando necessitar, e,
porque não?, deixe que também Ele se desafogue consigo, é o seu Pai, seu Irmão,
seu Amigo. Exercite a sua fé e a sua confiança. Se deixou a relação com Deus no
vestido da sua primeira comunhão, volte a experimentá-lo, agora há tempo e
serenidade para conversar com Ele. Talvez não acredite porque nunca o
experimentou. E se tentar?...
In Carmelitas
Descalças de Cádiz
Trad.: Rui Jorge
Martins
Imagem: TeleMakro
Fotografie/Bigstock.com
Publicado em
20.03.2020